Ensaio inicial de uma série voltada a estudantes de graduação e pós-graduação em Ciências Criminais
Com o início de 2017, resolvi que escreverei regularmente ensaios breves e objetivos sobre a Parte Geral do Direito Penal, com base na obra escrita em coautoria com o Prof. Leonardo Schmitt de Bem, publicada pela Editora Saraiva, cuja segunda edição está a caminho (Lições Fundamentais de Direito Penal, Parte Geral. São Paulo: Saraiva. 2016. 1056 págs.). A recepção que o livro obteve, perante alunos e professores, de graduação e pós, além de citações em decisões judiciais, inclusive no STF, estimulou-me a interagir mais com os leitores interessados nos temas do Direito Penal. Para iniciar a série de ensaios, tratarei da função do Direito Penal no Estado democrático de direito e, a partir daqui, tentarei esboçar todos os tópicos da Parte Geral, que abrange a teoria da lei penal, a teoria do delito e a teoria da pena.
Ao contrário do que muitos ensinam, a função do Direito Penal não é promover a punição máxima a todo e qualquer infrator da lei. O ponto de partida deste ensaio é o Direito Penal como controle social formal e instrumento mais repressivo à disposição do Estado. Para que haja uma convivência harmônica entre os membros de uma comunidade há a necessidade de regras de comportamento. Essas regras visam o mínimo de respeito entre todos com o fim de evitar conflitos. Num Estado democrático, tais regras devem preservar ao máximo a liberdade das pessoas, que podem fazer o que bem entendem, desde que respeitados os limites dos demais. Ou seja, se eu quiser fazer algo que não interfira em direito de outrem, o Estado não deve se intrometer na minha liberdade.
Os instrumentos de controle social são os meios pelos quais essas regras são estipuladas. Esse “controle” do comportamento das pessoas é realizado pela imposição de regras mínimas, que emergem da família, da escola, do condomínio, do trabalho, da igreja, entre outros. Em cada instância da vida há regras que devem ser cumpridas. Quando o Estado é o responsável pelas regras – normalmente por meio de leis – costuma-se dizer que o há o exercício do controle social FORMAL. Dentre os instrumentos de controle social formal, encontra-se o Direito Penal, considerado o mais severo e repressor de todos. Ora, as leis penais estipulam sanções que podem privar uma pessoa de sua liberdade e, em qualquer caso, estigmatizar o condenado. Por mais branda que possa ser uma sanção penal (por exemplo, a pena de multa ou a prestação de serviços à comunidade), o condenado ficará estigmatizado como um “criminoso”, independentemente do dano causado por seu comportamento. Em conclusão: quanto mais comportamentos criminalizados, menor a liberdade das pessoas.
Diante das drásticas consequências pessoais do uso da lei penal, somente poderá ser aceitável, no Estado democrático de direito, um Direito Penal MÍNIMO, legítimo apenas quando houver um comportamento efetivamente perigoso ou lesivo a um interesse social relevante. Quer dizer, não se pode criminalizar qualquer comportamento humano errado se este não for minimamente ofensivo a um interesse social relevante. Por mais reprovável que seja uma conduta, se não houver um mínimo de ofensividade o conflito deverá ser resolvido por outros meios de controle social. Nesse sentido, destacamos três princípios fundamentais do Direito Penal: ofensividade, subsidiariedade e proporcionalidade.
Segundo o princípio da ofensividade, só pode ser crime o comportamento que represente um perigo efetivo ou um dano a um interesse social relevante, doravante denominado BEM JURÍDICO. Condutas meramente imorais ou com perigo pífio, bem como lesões insignificantes, não podem ser criminalizadas. Por exemplo, pensar em agredir uma pessoa não pode ser crime, pois o simples pensamento é inofensivo; da mesma forma, um furto de pequeno valor também é irrelevante. Em complemento, o princípio da subsidiariedade impõe o uso de todos os demais meios de controle social antes de abrir mão do Direito Penal. Isto é, o Estado só pode resolver conflitos quando não puder fazê-lo por outros meios. Exemplificando: quando um cônjuge trai o outro, o problema entre eles deve ser resolvido pelo Direito Civil, não pelo Direito Penal. Basta lembrar que, até 2005, o adultério era considerado crime no Brasil, o que permitia ao Estado intrometer-se indevidamente num problema restrito ao casal. Por fim, e sem esgotar todos os princípios, as medidas de natureza criminal devem ser proporcionais ao perigo ou ao dano causados ao bem jurídico. Deve haver relevância e adequação da norma penal ao conflito no caso concreto. Quanto mais reprovável o comportamento lesivo, maior deve ser a consequência penal. É por isso que alguns crimes permitem a suspensão do processo enquanto outros impõem penas mais rigorosas
Finalmente, resta-nos responder: qual a função do Direito Penal? Podemos dizer que o Direito Penal tem uma função de proteção dos bens jurídicos mais relevantes contra os ataques perigosos ou lesivos de terceiros. Se não houver um bem jurídico a ser protegido, não poderá haver crime. Ademais, também é função do Direito Penal limitar o poder punitivo do Estado. Em outras palavras, o Direito Penal traça os limites da repressão penal, para evitar que o Estado seja arbitrário e autoritário, impondo um padrão de comportamento contrário à vontade das pessoas com a restrição da liberdade de agir.
A partir deste breve ensaio, dou início a uma série de escritos e vídeos nos quais pretendo estimular o estudo do Direito Penal humanista e voltado à preservação dos Direitos Humanos fundamentais.
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