Estudar é muito mais que decorar

Devemos despertar a consciência para a necessidade de estudar seriamente o direito.

Uma das melhores recompensas em trabalhar como professor de direito é a troca de aprendizado com os alunos. Ter passado pela graduação, mestrado, doutorado e outros níveis de aprendizado não nos limita a achar que só temos a ensinar e não a aprender. Perguntas formuladas de maneira inteligente são verdadeiros desafios para aprimorar os estudos e a compreensão da matéria. Inclusive, na redação de livros e artigos sempre são úteis perguntas elaboradas em aula, muitas vezes nunca pensadas pelo docente. Essa troca entre professor e aluno é fundamental e, para que seja eficiente, deve haver um esforço mútuo: o professor deve ter a humildade de aceitar ser questionado e o aluno precisa estudar com a consciência de que é preciso compreender o objeto de estudo. O trabalho de decorar conceitos é prejudicial à própria evolução do sistema jurídico, pois a formação de juristas é substituída pela de meros operadores.

Todos buscamos resultados práticos, a depender de nossos objetivos: ser aprovado na disciplina da faculdade, no exame da OAB ou no concurso público, pesquisar para escrever uma dissertação de mestrado ou tese de doutorado, escrever uma peça processual. Enfim, cada finalidade exige uma estratégia própria para o melhor resultado. No entanto, devemos parar para pensar na função social do estudante e do profissional do direito. Qual seria o objetivo de quem escolhe o curso de direito? Ter um bom salário e estabilidade? Ganhar polpudos honorários? Buscar uma sociedade melhor? Qualquer resposta deve sempre ser ponderada e equilibrada, pois vários podem ser os objetivos, já que um não exclui o outro.

É direito de todos buscar o sucesso profissional. Não obstante, há uma sociedade ao nosso redor e com ela temos uma relação de reciprocidade. O profissional do direito pode contribuir para uma comunidade melhor, enquanto a comunidade paga os salários dos concursados ou permite ao advogado privado ter sua remuneração. A aprovação no concurso ou o bom desempenho como advogado dependem de outras pessoas, pois ninguém consegue evoluir isoladamente. Um servidor público depende de uma cadeia produtiva da iniciativa privada, de onde saem os tributos que são revertidos na remuneração. Da mesma maneira, o advogado obtém honorários de alguém que produziu o recurso que será usado como pagamento. Quer dizer, impossível isolar-se na carreira escolhida.

Com isso, quero dizer que o estudo do direito envolve a aquisição de conhecimento e o desenvolvimento das habilidades de compreensão e aplicação da norma. Devemos estudar com o objetivo de sermos juristas, habilitados a compreender o ordenamento jurídico e o meio em que vivemos. A concepção de justiça envolve um estudo que está além de livros resumidos ou esquematizados. Nada contra esse material, mas não há impedimentos a um estudo com foco nas aprovações e, simultaneamente, no desenvolvimento cultural e técnico. Durante a graduação, deve-se devorar muitos livros, desde os clássicos aos tratados completos. Na carreira profissional, é obrigação continuar os estudos, sempre com a consciência de que nunca sabemos o suficiente. 

É comum observar a falta de interesse pelo estudo por profissionais jurídicos. Parece que o auge da carreira é a aprovação nas provas e concursos. Não raro deparamo-nos com decisões de juízes, há anos na carreira, que utilizam doutrina ultrapassada ou que desconhecem o assunto objeto do processo. Ou advogados que não sabem como atuar em grau de recursos, principalmente em tribunais superiores. Ou membros do Ministério Público que não reconhecem dispositivos legais não recepcionados pela Constituição Federal de 1988. Ou tudo junto. A falta de conhecimento e habilidades é prejudicial aos envolvidos no processo e, em última instância, à sociedade como um todo.

Há diversos estudiosos sérios, que se dedicam a temas relevantes do direito, porém, barrados pelas editoras. Se os livros não têm perspectiva de vendas, não há interesse em publicar. E as vendas não acontecem porque há falta de interesse de estudantes e profissionais cada vez mais ávidos por livros rasos, de fácil compreensão, que nada acrescentam à evolução da ciência do direito. Os países desenvolvidos, que alcançaram estabilidade democrática, investiram (e investem) seriamente em educação, algo que não acontece no Brasil há décadas. As deficiências na aprendizagem somente serão superadas pelas próprias pessoas que desejam evoluir, porém, para isso, deve haver vontade e atitude para mudar. Não podemos esperar milagres ou soluções mirabolantes. Estudar direito não é fácil e exige muito esforço.

Em minha memória, ficaram os professores que se dedicaram à minha formação técnica e pessoal. Desde a pré-escola, lembro-me dos mestres que incentivaram o estudo não apenas para ser um profissional competente no futuro, mas, principalmente, para ser uma pessoa melhor. O professor de matemática que dizia que o pensamento lógico é fundamental, a professora de português que afirmava a importância de ler e absorver as narrativas de nossos escritores para sermos capazes de imaginar situações nunca vividas, o professor de física que ensinava como os fenômenos naturais nos fazem um mero microcosmo no vasto universo que nos envolve. Enfim, temos que desenvolver todas as nossas capacidades técnicas, emocionais e cognitivas não para um fim específico, mas para a vida toda.

O exame da OAB e os concursos públicos são importantes e fundamentais para o exercício da carreira jurídica. Entretanto, não podemos nos esquecer de nosso papel no desenvolvimento da sociedade. Temos uma obrigação moral de retribuir a oportunidade de estudar numa faculdade e obter um diploma de nível superior. Essa retribuição vem de nossos esforços com o estudo e com o trabalho, na busca de sermos melhores com os demais. Leiam, estudem, devorem os livros com bom conteúdo, critiquem os autores, indaguem suas opiniões. Todos podem e devem ser profissionais melhores.