O caso da prisão de Dado Dolabella é exemplo de exposição indevida de preso, fenômeno que ocorre regularmente no país.
Nos últimos dias, foi divulgada uma foto vexatória de Dado Dolabella por não pagar pensão alimentícia a seu filho de sete anos. Na imagem, percebe-se uma montagem na qual o ator segura um papel com seus dados pessoais e a informação de que seria procurado por causa da dívida. Não restam dúvidas de que quem coloca uma criança no mundo deve se responsabilizar, no mínimo, pela assistência material, como alimentação, educação e saúde. Entretanto, a falta de pagamento da pensão alimentícia estipulada pela justiça não é motivo para o Estado expor indevidamente a imagem do devedor.
No ordenamento jurídico brasileiro, a única hipótese de prisão civil admitida é a decorrente de dívida por pensão alimentícia. Qualquer outro tipo de dívida não legitima a prisão do devedor. A prisão civil tem um diferencial em relação às prisões de natureza criminal: sua finalidade é coercitiva, ou seja, obrigar o devedor a pagar o débito. A prisão criminal, por seu lado, pode ser de duas espécies: a prisão cautelar e a prisão como pena. A segregação cautelar tem caráter instrumental, isto é, só pode ser decretada quando o acusado não puder responder ao processo em liberdade; a pena tem caráter preventivo e retributivo e somente pode ser aplicada após condenação por crime.
A prisão por dívida alimentícia não significa a existência de crime, pois sua natureza é distinta. Quando a justiça estipula o valor a ser pago, o devedor compromete-se a quitar periodicamente o montante devido e, caso não o faça, poderá ser executado. A prisão deve ser o último instrumento para compelir o pagamento. Como afirma o Prof. Ingo Sarlet, “a prisão do devedor de alimentos somente deverá ser decretada apenas depois de esgotados outros meios de coerção, como, por exemplo, o protesto da decisão judicial que desacolhe a justificativa apresentada pelo devedor ou mesmo o desconto em folha adicional, ambos previstos no novo CPC”.
Não conheço o caso específico que envolve o ator, sequer tive acesso ao processo, no entanto, cabe a crítica ao tratamento dispensado pelas autoridades responsáveis por sua prisão. Primeiramente, como já foi dito, nesse episódio não há acusação de crime, o que já é argumento suficiente para não equipará-lo a um criminoso. Ademais, há legislação que proíbe a exposição indevida da imagem de um indivíduo. Pelas notícias divulgadas, o ator não era considerado foragido pela justiça (posso estar enganado, mas duvido que a imprensa omitiria informação tão importante). A existência de um mandado de prisão civil não cumprido não permite a humilhação do devedor pelo Estado.
Não bastasse a previsão constitucional da dignidade da pessoa humana, a Portaria 18/98, da Delegacia Geral da Polícia Civil de São Paulo, determina que “as autoridades policiais e demais servidores zelarão pela preservação dos direitos à imagem, ao nome, à privacidade e à intimidade das pessoas submetidas à investigação policial, detidas em razão da prática de infração penal”. Ora, se o suspeito de crime deve ter sua imagem preservada durante a investigação, o mesmo direito deve ser aplicado a quem é acusado de praticar um ilícito civil cuja motivação é desconhecida e pode ser discutida judicialmente.
Sei que muitos pensam que tudo isso é merecido porque “ninguém mandou colocar um filho no mundo e não pagar pensão”. Não obstante, não podemos ignorar que a subsistência da criança cabe ao pai e à mãe, na proporção da disponibilidade financeira de cada um. E também é permitido rever os valores determinados pela justiça conforme a modificação da situação financeira do devedor. Uma queda brusca de rendimentos pode explicar, mas não justificar, a inadimplência. Por isso, toda cautela é pouca na hora de expor negativamente a imagem de uma pessoa.